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Como a pessoa conduzida transforma a dança: diálogo e presença no forró

Desde que comecei a dançar e ensinar forró, sempre tive um interesse particular em compartilhar a pista com pessoas que estavam realmente presentes na dança. Aquelas parceiras que, mesmo seguindo uma condução clara e estruturada, conseguiam trazer algo novo, sutil ou inesperado, criavam momentos em que a dança fluía de maneira especial. Nesses encontros, era possível perceber camadas de interação, respostas criativas e pequenos detalhes que transformavam cada abraço em uma experiência única.


Mais do que isso, entendo que nem todas as pessoas percebem ou sentem a dança dessa mesma forma. O assunto dos papéis na dança tem ganhado cada vez mais atenção recentemente, com vozes muito proativas e, por vezes, orientações em sentidos opostos.


Este blog surge para apresentar um visão pessoal sobre o tema, inspirada em parte pelas conversas que tive com a professora convidada Alice Rodrigues e outros profissionais da dança com quem tive a oportunidade de dialogar sobre o assunto, trazendo reflexões sobre como a pessoa conduzida contribui para o diálogo, a presença e a criação compartilhada no forró.



Da conversa ao insight: a parceria com Alice Rodrigues


Recentemente, recebi em Nova York a professora convidada Alice Rodrigues para uma parceria que envolveu aulas, eventos e muitas trocas sobre dança. Ao longo desse período, conversamos bastante sobre o papel da pessoa conduzida na dança.


Para registrar e compartilhar parte desse diálogo, gravamos um vídeo disponível no meu canal do YouTube. Este blog surge justamente como uma forma de organizar e apresentar algumas reflexões que emergiram desse diálogo, combinando essas observações com minha própria experiência como condutor e professor.


A visão tradicional: reatividade e execução


Por muito tempo, a percepção mais difundida sobre o papel do conduzido no forró foi a de alguém que reage mecanicamente aos estímulos do condutor, funcionando quase como um executor de instruções. Essa função reativa, focada apenas em seguir direções e manter tempo e limites, ignora a riqueza da escuta, da interpretação e da interação que sempre estiveram presentes na dança, mesmo quando não nomeadas ou reconhecidas.


Essa visão simplificada não reflete a realidade da experiência dançada, especialmente quando a condução é clara e estruturada, mas a presença do conduzido acrescenta nuances e profundidade.


O espaço da presença: quando o corpo que segue também participa


Quando observamos a dança mais atentamente, percebemos que a pessoa conduzida não está apenas reagindo; ela está participando ativamente do diálogo corporal. Presença aqui significa estar disponível, ouvir, responder e interpretar a condução de maneira que contribua para o fluxo da dança.


Mesmo pequenas ações — a forma como se abraça, a pressão do contato, a respiração, o acento de um passo ou a posição de um braço — influenciam profundamente o caminho da dança. Esses detalhes, ainda que sutis, enriquecem o diálogo e criam momentos únicos que só podem surgir da interação de dois corpos atentos e engajados.


Papéis distintos, funções complementares


É fundamental compreender que essa participação ativa não diminui o papel do condutor. Os papéis existem, continuam distintos e estruturam a dança. Essa distinção é uma característica que aprecio no forró, pois cria clareza e abre espaço para encontros profundos.


Dentro dessa estrutura, o conduzido tem amplas possibilidades de expressão, interpretação e influência. Participar ativamente não significa assumir o papel do outro, mas contribuir de maneira significativa para a criação conjunta.


Conduzida no forró - Multiplicidade de possibilidades dentro da dança


Além dessas possibilidades de presença e diálogo, existem abordagens propostas por dançarinos e educadores que exploram momentos de maior ruptura da estrutura condutor-conduzido. Em alguns casos, isso envolve condução compartilhada, inversão de papéis ou proposições que desafiam a dinâmica estabelecida. Às vezes, também podem ocorrer experiências mais radicais, em que a conduzida realiza movimentos que negam, ignoram ou contradizem a condução.


Todas essas alternativas são viáveis e válidas, dependendo do gosto e da intenção de cada par. Ninguém é melhor ou pior por escolher uma abordagem ou outra.


É importante compreender que uma pessoa conduzida não precisa intervir de forma drástica ou conflituosa para ser considerada uma parceira ativa, criativa e presente na dança. Ao mesmo tempo, quem deseja explorar dinâmicas diferentes tem total liberdade para propor mudanças e criar algo novo junto ao condutor.


O ponto central é que cada pessoa deve poder interagir de maneira que faça sentido para a dança e para o par. Nenhum condutor deve exigir que a conduzida apenas siga sem participar ou forçá-la a se movimentar de determinada forma, assim como a conduzida deve evitar impor bloqueios ou restrições que criem conflito ou desconforto e mal estar, a não ser que essas interrupções sejam desejadas de forma consensual.


A cocriação como centro da dança


Quando a presença, a escuta e a intenção se manifestam em ambos os lados, a dança se transforma de execução em criação compartilhada. O condutor oferece caminhos e propõe movimentos; o conduzido interpreta, responde e amplia possibilidades. É nesse encontro que surgem as nuances mais bonitas da dança, aquelas que só existem naquele momento, naquele par e naquela música.


Essa experiência torna o forró profundo, humano e imprevisível. Cada dança passa a ser irrepetível, fruto da interação entre dois corpos presentes e engajados em construir algo juntos.


Sobre o autor

Rafael Piccolotto de Lima é apaixonado pelas artes, doutor em música e foi indicado ao Grammy Latino como melhor compositor de música clássica em 2013. Para ele todas as formas de expressão são de alguma maneira correlacionadas, gerando seu interesse e atuação diversificada; de fraque nas salas de concerto até sapato de dança no chão batido do salão.



 
 
 

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