top of page

A saga de um sanfoneiro em Nova Iorque


Assim como Luiz Gonzaga e Dominguinhos, que no passado deixaram o interior de Pernambuco para levar sua música ao Rio de Janeiro, Felipe Hostins saiu de Blumenau, no sul do Brasil, para tocar em Nova Iorque.

Embora Hostins tenha se tornado um dos principais sanfoneiros de forró da cidade, sua jornada profissional não se iniciou com este gênero musical. Como um bom músico catarinense, teve sua formação musical forjada por ritmos típicos da cultura do sul do Brasil, como o sertanejo de raiz, o chamamé e outros da tradição gaúcha, também tocados na Argentina e no Uruguay. O músico herdou o dom da sanfona de seu avô, quem lhe ensinou a tocar: “Eu aprendi a tocar meio que na marra, com três anos de idade. Meu avô decidiu que eu ia aprender com ele pra continuar a tocar as músicas tradicionais nas festas de família. Aí, ele me arranjou uma sanfoninha e me colocava sentado em um banquinho em frente a ele, cada um com a sua sanfona. Ele dedilhava e dizia que eu tinha que repetir o que ele estava fazendo. Então, eu aprendi assim, vendo e ouvindo.” E Hostins ainda brinca: “Lógico que no início tinha uma cinta ali do lado, e se eu não tocasse... Ai de mim! Mas, depois, peguei gosto.”

Juntos, avô e neto alimentavam a paixão pela sanfona ouvindo velhos discos de música regional sulista. O encontro com o forró foi praticamente um acidente. No meio dos discos do avô, ele ouviu Feira de Mangaio – um dos temas de forró mais tocados até hoje - e também a canção que se tornou a sua favorita: “Eu nem sabia que aquilo era forró, mas fiquei louco com aquela música e sempre a escutava. Aí, aos poucos, fui descobrindo os discos de forró do Luiz Gonzaga e Nhozinho do Acordeon.” As ofertas para tocar forró no sul do Brasil, no entanto, eram escassas. Hostins iniciou sua vida profissional tocando sertanejo universitário e manteve o forró como um hobby. Como a cultura sulista celebra prioritariamente o sertanejo de raiz e o universitário, o músico encontrava pouco espaço para tocar forró, mas o fazia sempre que podia. Desde aquela época a sua paixão tem lugar definido: “O sertanejo é o meu trabalho, mas o forró é a minha alegria. Acho que eu sinto a mesma energia de quem dança enquanto estou tocando.”

Após dez anos de carreira junto a grandes bandas de sertanejo, Hostins se viu angustiado com as os limites para mostrar trabalhos autorais em Blumenau e decidiu deixar o Brasil para buscar espaço e mostrar suas composições nos Estados Unidos. Vendeu a sanfona, empacotou o sonho numa mala e desembarcou em Las Vegas, onde pensava encontrar trabalho como músico. Como muitos profissionais que ali chegam, ele viveu a vida dura de imigrante por um certo tempo e se desiludiu com as poucas oportunidades para tocar. Decidido a voltar ao Brasil, ele viveu seu momento de virada quando recebeu o telefonema de um produtor de eventos de música latina baseado em Nova Iorque, que lhe fez um convite: “Não quer vir pra cá tentar? Estamos precisando de um sanfoneiro na cidade.”

Nova Iorque, em contrapartida, oferece aos músicos mais espaço para tocarem forró e mostrarem trabalhos criativos. Prova disso é que, fora as casas que tocam forró semanalmente - Nublu e Miss Favela - há eventos especiais, como por exemplo os que Hostins tocou junto a Cyro Baptista e Forró In the Dark no Lincoln Center, o Accordions Around the World no Bryant Park e com o Trio Osnelda no Plaza 33. Em termos de estilos musicais, os ouvidos da cidade adoram a pureza dos clássicos. Por aqui, prevalecem baiões, xotes e xaxados de Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Elba Ramalho e o côco de Jackson do Pandeiro. Por ora, o músico se diz feliz com o crescimento da comunidade de forrozeiros em Nova Iorque: “Deu pra ver a diferença. Agora temos professores e mais dançarinos. Semana passada a casa estava cheia no Nublu! Aqui tem muito potencial.”

Como fez Luiz Gonzaga no Rio de Janeiro na década de 1940, Hostins continua a buscar oportunidades para mostrar suas composições inéditas ao público em Nova Iorque. Seus planos também incluem a expansão do conhecimento sobre a cultura do forró e – é claro – continuar a espalhar alegria entre os dançarinos. Entre velhos e novos dedilhados, o sanfoneiro vai desempacotando, um a um, os sonhos que trouxe na mala vinda de Blumenau. Enquanto ele toca, eles ganham vida junto aos forrozeiros da cidade.

 

SOBRE A AUTORA - Silvia Alencar é uma alma curiosa convertida em pesquisadora, tradutora e escritora. Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC – SP, ela atualmente se dedica a outro mestrado, em História da Arte no Hunter College em Nova Iorque. Quando não está no mundo das ideias, ela gosta de cozinhar, correr e dançar forró até cair.

Editado por Rafael Piccolotto de Lima.

132 views0 comments

Recent Posts

See All
bottom of page